{R/C} Salão de Julgamentos

O dia de audiências era sempre algo de muita importância. Vesti-me a rigor para receber as almas do meu reino. No entanto, antes de abrir a audiência, aguardei pela chegada de Perséfone, tinha-a convidado para fazer parte daquilo.

Desci com a Melody até ao salão de julgamentos. Assim que chegara à porta lateral, desfilei até ao centro, colocando-me diante de Hades.
-Senhor do Submundo! - Exclamei em cumprimento, fazendo uma vénia.

Segui com Persefone até há sala de julgamentos com os nervos na pele. Quando lá cheguei também fiz uma vénia e dirigi-me para a zona dos julgados.

Dei um passo na direcção da deusa e segurei na sua mão, para a beijar.
Ela estava deslumbrante, trazia um brilho diferente ao Submundo e as almas pareciam contentes por a ver, realmente contentes.
- Estás deslumbrante.  - Disse de uma forma quase carinhosa. - Espero que aprecies estares aqui hoje.

A sua atitude era exatamente oposta ao final da noite anterior e senti-me ligeiramente intimidada. Ele era um poço de contradições e sentia que me iria perder nele em breve.
- É um prazer fazer-lhe companhia e conhecer os habitantes do seu mundo. - Disse numa voz cordial.

O meu sorriso ampliou-se à medida que ela se mostrava interessada no meu reino e nos seus habitantes. Nunca ninguém me pareceu tão interessado daquela forma tão altruísta.
- Tens alguma pergunta antes de começar? - Encaminhei-a para perto do trono, onde tinha colocado uma poltrona majestosa para que ela se pudesse soltar.

Pensei um pouco. Perguntas tinha muitas, mas não era o momento adequado para tal.
- De momento acredito que não. - Disse, juntando-me a ele, sentando-me na poltrona que tinha sido ali colocada.
Ajeitei o vestido branco e olhei-o com um sorriso discreto.
- Quando quiser começar, está à vontade. Não atrase as audições por minha causa.

Sentei-me no trono e preparei-me para a audiência.
- Moritz. - Chamei. - Podes dar inicio à audiência e trazer a primeira alma.
Aquilo poderia ser demorado, mas também rápido, dependendo de quantas almas seriam ouvidas.

- Como desejar, Senhor. - Fiz uma vénia e saí do salão para anunciar aos mortos que Hades iria ouvir quem lhe desejasse falar e pedir algo.
Mal o anuncio foi feito, apareceu logo uma alma de uma mulher chamada Estenóbia que pretendia fazer um pedido a Hades. Encaminhei-a para dentro do salão de audiências.
- Hades, Rei do Submundo e Senhor dos Mortos, Estenóbia pede uma audiência contigo. - Declarei e aguardei por uma resposta de Hades.

Mal Moritz fez o anuncio preparei-me para receber a primeira alma, antes de dar autorização para ela entrar, olhei para Perséfone, ela parecia realmente interessada naquilo e isso fez-me ter uma esperança estranha em algo.
Depois, voltei a focar-me.
- É lhe concedida a audiência. - Anui e logo de seguida, entrou a alma de Estenóbia.
A mulher curvou-se quase até ao chão em sinal de respeito.
- O que tens a pedir-me? - Perguntei.
Ela levantou-se, olhando para Perséfone e depois para mim.
- Hades, Senhor dos Mortos, venho pedir-te para me dares permissão para beber do Rio Letes.  - A sua voz era recatada e quase mal se ouvia. 
- Isso é um pedido invulgar, Estenóbia, já que raramente as almas dos que cometem suicídio bebem do Letes. O que aprendeste durante a tua estadia nas margens do Aqueronte? - Perguntei e aguardei pela sua resposta.
- Aprendi que deveria ter escolhido com mais ponderação. - Respondeu.
- Então não aprendeste realmente nada. Cobiçaste, um jovem com metade da tua idade, Belerofonte e ficaste revoltada quando ele te rejeitou, acusando-o de violação perante o teu marido. O pobre moço teria morrido, se não tivesse sido Atena a intervir e uní-lo com a tua irmã mais nova. - Evidenciei.
- Eu escolherei com mais cuidado noutra vida, além disso, eu era bela e desejável, melhor que a minha irmã! Merecia mais do que ela! Eu nem sequer me queria matar. - Continuava a insistir.
- Chegue, Estenóbia. O teu pedido é recusado e voltares para o Aqueronte até teres ponderado melhor nos teus actos. Tu querias destruir com os teus actos uma relação, chamar a atenção da tua família e impedir a união, tiveste azar que te deixaram dormir e deram contigo já morta. Estenóbia, o amor não vive com veneno e mentiras, terás de aprender isso. - Disse e fiz sinal para que se retira-se. - Agora podes sair.
Ela saiu meio revoltada, mas saiu na mesma.
Depois, voltei-me para Perséfone.
- O que pensas do meu julgamento?

Ouvi tudo com bastante atenção, tentando perceber mais das almas e até do próprio deus.
Quando aquela mulher entrou, fiquei logo com um pé atrás a seu respeito. Ao contrário de Melody, a sua tristeza parecia fingida e a forma como se curvou diante de Hades... Tanta graxa que até doi.
Ainda assim, fiquei admirada quando ouvi que ela se tinha suicidado, para mais tarde perceber que talvez a coisa não tivesse sido bem assim. Para aquele caso só tinha uma coisa a dizer "Karma is a bitch".
No fim, Hades abordou-me e procurei esconder a minha admiração pela sua pergunta. Não estava à espera que a minha opinião fosse de alguma importância. Afinal, ele mesmo tinha dito logo no primeiro dia (oh meu deus, foi ontem!) que não queria que andasse por aí a fazer o trabalho dele. Não que aquilo fosse o caso... Era mais opinar sobre o trabalho que ele fez. Bem, não interessava.
- Achei que fez bem na sua escolha. O amor não é algo que deva ter ser domado ou manejado para os nossos próprios interesses e ela pouco ou nada aprendeu sobre o assunto. - Disse suavemente. - Ainda assim, fico a pensar. Se ela voltasse noutro corpo, ainda seria ela? Ainda manteria características dela? Porque se sim, só reforça mesmo o facto de ter feito um bom julgamento. Provavelmente só iria levar o sofrimento para uma outra pessoa.

A forma como ela percebeu as coisas agradou-me e olhei-a com intensidade. Ela parecia realmente interessada com os mortos, nunca tinha visto nada assim, deixou-me de coração cheio...
- Isso é uma bela pergunta. Quando se bebe do Letes, as memórias são apagadas, mas restam resíduos das vidas anteriores. Por exemplo, duas almas unidas pelo verdadeiro amor voltaram a encontrar-se e a amar-se. Outros sentimentos também é válido.  - Expliquei e olhei para o Moritz depois.
- Moritz, podes chamar pelo próximo. - Pedi.

Anui, absorvendo aquela informação.
- Bem, então parece que o amor quebra qualquer barreira. - Disse baixinho. - Até a morte.

- Com certeza, senhor. - Disse e sai para ir buscar o seguinte.
Desta vez, era Dido, outra mulher.
- Senhor, Dido pede-lhe audiência. - Referi com ela atrás de mim à espera de ser aceite no auditório.

- Audiência concedida. - Disse e vi Dido entrar. - O que te trás aqui, Dido?
Ela fez uma ligeira vénia.
- Vim pedir para entrar nos Campos Elísios. - Disse.
- O que aprendeste enquanto estiveste no rio das lamentações? - Perguntei e aguardei pela sua resposta.
- Aprendi que devia ter aceitado o meu destino, que Eneias ainda tinha muito para viver e cumprir as missões que lhe tinham sido dadas. Que não devia ter desejado que ele viesse comigo. 
- A lamentares-te outra vez, Dido? - Chamei a atenção.
- Não, Senhor, só estou comovida por estar na presença de tais divindades. - Respondeu ela. -Já aceitei que tudo tem o seu tempo o que um dia irei voltar para ele.
- Bem, Dido, concedo-te permissão para ires para Elísia. - Respondi-lhe. - Vai com a minha bênção.
Quando proclamei tal, ela saiu feliz quase a correr.

Assisti a este julgamento com bastante atenção. Algo na atitude da jovem mulher atraiu a minha atenção. A forma como ela estava tão triste no inicio, mas saíra dali quase aos pulos. Era estranho...
Fiz uma ligeira careta, pensativa.
Apostava as minhas receitas secretas em como o tal Eneias estava nos campos Elísios e ela iria tentar encontrá-lo.

Olhei para Perséfone mais uma vez, mas desta ela parecia algo desagradada.
- Tens alguma coisa a dizer? - Perguntei directo, procurando ouvir o que ela parecia querer manter dentro dos lábios preso.

Olhei-o surpreendida. Ele não me tinha questionado antes, mas pareceu saber que tinha algo aqui dentro. Fiquei intrigada com aquilo...
- Claramente ela não ultrapassou o seu amor por Eneias. - Disse simplesmente. - Poderia apostar que ele está em Elísia e que a primeira coisa que ela fará é procurá-lo.

As suas palavras deixaram-me um tanto quanto frustrado, mas não podia negar que poderia ser uma situação plausível. Não tinha pensado nisso, e ainda assim, sentia-me ligeiramente irritado por ela julgar as minhas decisões.
- Suponho, que a Deusa da Primavera deseja fazer mais do que apenas assistir aos meus julgamentos. - Comentei. - Talvez pretenda preceder ao julgamento seguinte. 

- Moritz, podes trazer a próxima alma. - Ordenei-lhe.
Queria ver qual seria a sua atitude fase ao que viria.

Quando o Hades me deu sinal trouxe a próxima alma que era a Melody.
- Senhor, Melody pede para ser ouvida.

Quando ouvi o meu nome a ser dito por Moritz ergui-me com calma e dirigi-me para a frente onde as outras almas tinham estado. Depois de fazer uma vénia ao rei dos mortos ergui a cabeça de novo e com os nervos na pele proferi o meu pedido:
-Senhor, gostaria de requisitar o regresso ao mundo terrestre. Sei que provavelmente não devia nem mereço mas... mas há certas coisas que deixei para trás e sem resolver. A minha morte foi inesperada e num mau momento. A culpa tem dado cabo do meu coração sabendo que não posso remendar o que ocorreu por isso peço-lhe com todo o meu coração e alma que me de uma segunda oportunidade. Por favor...

Num gesto cordial, olhei para Perséfone.
- Este é o teu julgamento. - Indiquei-lhe e deixei que ela fizesse o julgamento.